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16 de Abril de 2024
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    Juros e amortização da dívida consumirão 42% do orçamento da União em 2013

    Enquanto aos servidores e aos aposentados restarão as sobras do orçamento, numa reposição que, aparentemente, não cobrirá sequer a inflação da primeira parcela, em 2013, questiona Maria Lúcia Fattorelli, Auditora Fiscal da Receita Federal*. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista concedida a redação do Jornal do Judiciário.

    Jornal do Judiciário: A PLOA de 2013 indica um valor de R$ 900 bilhões para pagamento dos juros da dívida e amortizações. Quanto isso significa em percentuais no valor total do Orçamento?

    Maria Lúcia: Considerando que o valor total do Orçamento/2013 apresentado pelo Executivo é de R$ 2 trilhões e 140 bilhões, a parcela destinada ao pagamento de juros e amortizações da dívida deverá consumir nada menos que 42% de todos os valores arrecadados com tributos e com a emissão de novos títulos da dívida. Em 2011, os juros e amortizações da dívida consumiram R$ 705 bilhões. Em 2012, até a presente data (11/10/2012), já foram efetivamente pagos R$ 707 bilhões em juros e amortizações da dívida, ou seja, em pouco mais de 10 meses já superamos o gasto total do ano passado, conforme demonstra o quadro abaixo.

    A crescente destinação de recursos para a dívida decorre do fato de que estamos emitindo dívida para pagar juros. É por isso que apesar dos volumosos pagamentos a dívida não para de crescer: no primeiro semestre de 2012, a dívida interna alcançou R$ 2,74 trilhões e a Externa US$ 416 bilhões. Somadas, já superam 3 trilhões e meio de reais. E o mais grave é que tal dívida nunca foi auditada, como manda a Constituição, e a recente CPI da Dívida Pública [1] revelou diversos indícios de ilegalidade e ilegitimidade dessas dívidas, cuja principal contrapartida tem sido a incidência de juros sobre juros e outros mecanismos meramente financeiros.

    Além disso, existe um grave problema de contabilidade e transparência em relação aos gastos com a dívida. Dos R$ 900 bilhões do Orçamento/2013 reservados para o pagamento da dívida, o governo divulga que R$ 608 bilhões se referem ao chamado "refinanciamento" ou "rolagem", anunciados como se fossem referentes ao pagamento de amortizações (ou seja, ao principal) da dívida por meio da emissão de novos títulos da dívida.

    Segundo analistas conservadores, o valor classificado sob a rubrica refinanciamento ou rolagem da dívida não deveria ser considerado como gasto, pois representaria apenas o pagamento do principal da dívida por meio da emissão de nova dívida (ou seja, uma mera troca de dívida velha por dívida nova).

    Na realidade, as investigações técnicas realizadas pela recente CPI da Dívida Pública comprovaram que grande parte dos juros pagos tem sido apropriado indevidamente como se fosse "refinanciamento" ou "rolagem". Isso tem acontecido devido ao fracionamento indevido do montante dos juros nominais em duas partes: uma que corresponde à atualização monetária calculada de acordo com o IGP-M e outra que excede essa atualização, considerada como juros reais. Uma vez que, pela contabilidade oficial, a rubrica pagamento de juros contempla apenas os "juros reais", ou seja, os juros que excedem a atualização monetária medida pelo IGP-M, essa parcela dos juros nominais que corresponde à atualização monetária tem sido considerada como se fosse amortização ou rolagem.

    Esse fracionamento dos juros e a classificação de grande parte dos juros como se fossem amortizações tem gerado uma grave distorção, porque, de acordo com a Constituição, despesas correntes como é o caso dos juros nominais não podem ser pagas mediante emissão de dívida. O texto constitucional visou prevenir o crescimento desenfreado da dívida decorrente da incidência de juros sobre juros. A partir do momento em que se contabiliza a atualização monetária como amortização ou refinanciamento, percebe-se uma clara burla a essa determinação constitucional. A dívida pública passa a crescer, então, de forma descontrolada, levando o governo a contingenciar o orçamento das áreas sociais.

    Dessa forma, dentro daqueles R$ 608 bilhões está incluída grande parte dos juros nominais da dívida pública. É por isso que temos destinado quase a metade do orçamento anualmente para o pagamento de juros e amortizações e a dívida não para de crescer.

    JJ: A proposta de reposição salarial acordada pelo Executivo aos servidores é de R$ 10,289 bilhões. Ora, e as perdas inflacionárias acumuladas e já perdidas, para onde vai este dinheiro? (no caso dos servidores do judiciário a perda será de aproximadamente 42%, que estão sendo desconsiderados).

    Maria Lúcia: O montante de R$ 10,289 bilhões indicado na LOA-2013 para reposição salarial aos servidores corresponde a apenas 5,5% do valor previsto para a folha de pagamento total no corrente ano de 2012 (R$ 187,6 bilhões).

    Desta forma, verifica-se que a proposta do governo aos servidores mal repõe a inflação deste ano (nos últimos 12 meses, de setembro a setembro/2012, a inflação medida pelo IPCA alcançou 5,28%), e não recupera as perdas históricas que levaram as diversas categorias de servidores ao movimento grevista.

    Tal fato demonstra que as perdas continuarão se acumulando. Se considerarmos a evolução dos gastos com pessoal desde o Plano Real, é evidente que os servidores têm acumulado grandes perdas. O discurso de que a inflação acabou foi aplicado somente aos salários e alguns preços, mas não aos rentistas. O gráfico abaixo demonstra como os gastos com a dívida explodiram a partir de 1995, enquanto os demais gastos subiram muito menos.

    Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional - SIAFI. Inclui a rolagem, ou refinanciamento da Dívida.

    É importante ressaltar a diferença de tratamento dada aos servidores e aos rentistas. Conforme mencionado anteriormente, a atualização monetária da dívida é garantida, e calculada pelo IGP-M, cuja variação tem sido bem superior ao IPCA desde o Plano Real.

    JJ: A proposta linear apresentada pelo governo aos servidores é de 15,8% divididos até em 2015. Qual é a estimativa da inflação para o próximo ano?

    Maria Lúcia: A meta de inflação divulgada pelo Banco Central para 2013 é de 4,5%, podendo variar 2 pontos percentuais para cima ou para baixo. Os analistas financeiros estão divulgando uma expectativa de inflação para 2013 em 5,54%.

    Dessa forma, o índice proposto mal reporá a inflação do período, mais uma vez, enquanto a maior parte da fatia do orçamento da União será destinada ao pagamento dos juros da dívida pública, enquanto aos servidores e aos aposentados restarão as sobras do orçamento, numa reposição que, aparentemente, não cobrirá sequer a inflação da primeira parcela, em 2013.

    JJ: O governo insiste em dizer que não será possível dar um aumento maior no salário mínimo por que a Previdência Social está deficitária. Mas, dados da Anfip mostram o contrário, como combater este discurso falacioso?

    Maria Lúcia: O valor do salário mínimo fixado para 2013 (R$ 670,95) significa um aumento real de apenas 2,7% em relação ao valor atual. Prosseguindo nesse ritmo, serão necessários cerca de 50 anos para se atingir o salário mínimo calculado pelo DIEESE (de R$ 2.383,28), com base no disposto na Constituição Federal, art. 7º.O eterno argumento oficial contra um aumento maior do salário mínimo é que a Previdência Social não teria recursos suficientes para pagar as aposentadorias do Regime Geral. Porém, tal argumento é falacioso e não se sustenta em base aos dados da arrecadação federal. A Previdência é um dos tripés da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e Assistência Social, e tem sido altamente superavitária. Em 2011, o superávit da Seguridade Social superou R$ 77 bilhões, em 2010 R$ 56 bilhões, e em 2009 R$ 32 bilhões, conforme dados oficiais segregados pela ANFIP (www.anfip.org.br).

    O reiterado superávit da Seguridade Social deveria estar fomentando debates sobre a melhoria da previdência, da Assistência e da Saúde dos brasileiros. Isso não ocorre devido à prioridade para o pagamento da dívida mediante a Desvinculação das Receitas desses setores para o cumprimento das metas de superávit primário, ou seja, a reserva de recursos para o pagamento da dívida pública.

    A Previdência Social, diga-se, tem sido continuamente atacada por aqueles a quem interessa uma parcela cada vez maior do orçamento destinada ao pagamento da dívida. Não é por acaso que, ao longo dos últimos anos, os ataques à Previdência Social têm se multiplicado no mesmo ritmo em que se multiplicam os montantes destinados à dívida. A contribuição previdenciária dos inativos, o fator previdenciário, a criação de fundos de previdência complementar dos servidores públicos, o fim do direito dos inativos do setor público à paridade salarial com os servidores da ativa, são todas medidas que objetivam privatizar a Previdência Social, diminuindo seu peso no Orçamento Público e permitindo aos rentistas abocanhar uma parcela ainda maior desses recursos.

    Para combater esse discurso falacioso temos que nos esforçar para empoderar todas as pessoas com informações e dados, para que possam fortalecer as lutas em defesa dos direitos sociais. Penso que somente através do conhecimento e da organização da sociedade conseguiremos modificar essa injusta estrutura social que é refletida no orçamento da União e reproduzida nos orçamentos estaduais e municipais.

    JJ: O governo afirma que a dívida pública e as taxas de juros estão em forte queda. Este argumento se sustenta?

    Maria Lúcia: Não. O dado apresentado pelo governo para respaldar tal alegação é referente à distorcida parcela denominada Dívida Líquida do Setor Público. O Brasil é o único país que calcula a dívida líquida dessa forma, algo que não tem sentido lógico, pois descontam da dívida bruta diversos valores que em tese configurariam créditos (tal como as reservas internacionais), porém, possuem pesos relativos distintos. Enquanto o custo da dívida pública ficou em mais de 12% ano passado, as reservas internacionais (que são o principal crédito deduzido para se chegar ao conceito de dívida líquida) não renderam quase nada ao país.

    Neste ano, enquanto o governo alardeia a comemoração sobre a redução da Taxa Selic para 7,5% ao ano, o custo médio efetivo da dívida pública federal está em nada menos que 11,3% ao ano. Justamente quando a Selic passou a cair e o Tesouro passou a vender os títulos lastreados em taxas fixas bem superiores à Selic, e atualmente apenas 24,57% da dívida mobiliária de responsabilidade do Tesouro Nacional está atrelada à Selic.

    É importante mencionar que esse privilégio ao pagamento da dívida favorece uma reduzida parcela de rentistas, que, às custas das restrições cada vez maiores aos direitos sociais, têm registrado lucros recordes. Isso tem ocorrido mesmo com as anunciadas reduções da taxa básica de juros (taxa Selic), pois pelo atual sistema de lançamento de títulos da dívida pública, apenas doze bancos podem adquiri-los junto ao Tesouro Nacional. Esses bancos, chamados de dealers, somente compram títulos quando a taxa de juros oferecida atinge o patamar que eles desejam. Com isso, apesar da queda da Selic, na prática continuamos a pagar a maior taxa de juros do mundo.

    A dívida pública se transformou em um mero instrumento do mercado financeiro. Em lugar de servir como meio de obtenção de recursos para financiar o Estado e incrementar as condições de vida de todos os brasileiros, tornou-se um mecanismo de subtração de crescentes volumes de recursos públicos, inviabilizando a destinação de verbas para áreas sociais e provocando a piora nas condições de vida da sociedade em geral, enquanto favorece ao setor financeiro. Por tudo isso é que lutamos por uma completa auditoria dessa dívida, com participação cidadã.

    Maria Lucia Fattorelli*

    Coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida. Foi membro da Comissão de Auditoria Integral da dívida Externa do Equador (2007/2008) e assessora técnica da CPI da Dívida na Câmara dos Deputados (2009/2010). Auditora Fiscal da Receita Federal durante 29 anos e ex-presidente do Unafisco Sindical.

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