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26 de Abril de 2024
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    Usando muita violência, Tropa de Choque expulsa moradores do Pinheirinho e reintegra área

    Dia 22 de janeiro de 2012 entrará para a história como um dia em que 2 mil homens da Polícia Militar do Estado de São Paulo desalojaram de seus lares cerca de 10 mil pessoas para beneficiar um especulador financeiro.

    Sob as ordens diretas do presidente do Tribunal de Justiça do Estado, com o aval do governador do Estado, Geraldo Alckmin (PSDB), e do prefeito da cidade, o também tucano Eduardo Cury, um forte aparato foi montado para a reintegração de posse.

    A Tropa de Choque foi acionada, muitas viaturas e carros blindados entraram na ocupação. Do alto, dois helicópteros pulverizavam gás lacrimogêneo sobre as pessoas.

    Era possível obter qualquer informação coerente. Na manhã de domingo começou a circular um boato de que sete pessoas tinham sido mortas pela polícia. Esse boato ficou no ar durante o dia todo. Até o fechamento desta edição não havia nenhuma confirmação, mas há sérios indícios de pessoas desaparecidas.

    Na parte da tarde do domingo, enquanto acontecia a desocupação, fomos a uma área próxima ao Pinheirinho, direto para uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Desejávamos tentar saber se havia feridos.

    Dois membros da Guarda Municipal faziam a “segurança” do UPA. Sequer nos deixaram entrar. Perguntamos sobre feridos, se o movimento estava grande, algum caso mais grave. O soldado, Ferreira era seu sobrenome, disse que não poderia falar conosco, que deveríamos procurar a assessoria da Prefeitura.

    Algumas quadras antes, tínhamos conversado com quatro pessoas que nos disseram ter parentes dentro do Pinheirinho e que a ação da PM havia sido violenta.

    A confirmação da violência veio nos relatos que obtivemos no decorrer do dia: “esses polícia disgramado. Tanto a polícia quanto o prefeito, são tudo carniceiro”, disse uma senhora, em prantos, em frente à UPA.

    Próximo dali, num ponto de ônibus, cerca de 20 pessoas se protegiam da chuva e observavam com sofrimento as muitas viaturas da Tropa de Choque e a postura inerte dos PMs. Ouvimos ali que a polícia tinha jogado bombas de gás dentro de casas com crianças e idosos, que um PM ofendeu verbalmente a mãe de uma criança cadeirante, que uma senhora acabara de fazer o almoço, mas não pôde sentar-se na mesa para comê-lo.

    Os relatos mais sérios começaram a vir de um garoto de 14 anos, que nos disse que a PM havia “sumido” com alguns de seus amigos. Estes haviam tentado uma resistência, queimando uma barricada improvisada. O rapaz entrevistado tinha um ferimento grande na perna direita, resultado de uma bala de borracha.

    Os boatos não paravam. A cada grupo que entrevistávamos novas informações não confirmadas surgiam. Quando chegamos ao centro Poliesportivo, onde a prefeitura montou algumas tendas (bancadas pela Selecta S/A) para cadastrar os moradores, que tinha sido palco de um confronto horas antes, passamos a ouvir histórias muito semelhantes.

    “Nunca vi tanta bomba na minha vida. Eu vi um senhor de 70 anos... bateram nele mais do que em um burro”, contou Sérgio Luiz, de 37 anos, morador do Pinheirinho.

    Andreia Lopes, de 33 anos, moradora do Pinheirinho há quase oito anos, mãe de uma criança de três anos e casada, disse que a desocupação foi um “terror”: “A gente de família saímos pacificamente. Saímos 6h15 da manhã, para a igreja católica pra nóis se protegê, mas lá os policial entraram com gás de pimenta, jogando gás nas crianças, nos idosos, e não teve nem como a gente correr para a rua pra salvar as nossas crianças. Aí a gente tivemos que voltar para as nossas casas e esperar e aguardar a ordem deles para retirar só nosso pertences pessoais, roupa, somente... lacrar a casa e ir embora do acampamento”.

    De acordo com Antônio Donizete Ferreira, conhecido como Toninho, advogado dos Sem-Teto, a operação de desocupação “foi completamente irregular”. “Foi uma sacanagem, a PM não poderia ter feito aquilo. Agiram com muita violência, sem dar nenhum prazo para nada. Teve gente que saiu de sua casa sem nenhum documento, saíram só com a roupa do corpo”, relata.

    Uma boa parte dos desalojados foi para a igreja católica na zonal sul da cidade e, segundo Toninho, está sendo feito um trabalho de cadastramento das famílias, para que a pressão sobre a Prefeitura e o governo do Estado continue. “Estamos orientando para que todos fiquem agrupados”.

    Justiça Estadual, governo de São Paulo e Prefeitura agem para beneficiar Naji Nahas

    Ainda na manhã de domingo, os advogados dos sem-teto conseguiram da Justiça Federal uma liminar suspendendo a reintegração de posse, expedida pelo juiz federal Samuel de Castro Barbosa Melo. A liminar era destinada ao comandante da PM, mas quem a recebeu e fez a ressalva de que a ordem não seria cumprida foi o assessor da presidência do TJ- SP, Rodrigo Capez.

    Fausta Camilo Fernandes, oficial de justiça e diretora do Sintrajud acompanhou a entrega dessa liminar ao comandante da PM. Para ela, a posição adotada pelo assessor do presidente do TJ foi uma “aberração jurídica”. “Ali havia um conflito de competência, que teria que ser dirimido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), e não no local onde estava sendo efetuada aquela operação”, argumenta.

    A decisão de não acatar uma liminar da Justiça Federal havia sido dada no sábado, dia 21, pela presidência do TJ. Ao comando da PM, o desembargador Ivan Ricardo Garisio Sartori, presidente do TJ-SP, determinou a reintegração da área e o desalojamento de quase 10 mil pessoas afirmando em letras negritadas e sublinhadas: “Autorizo, para tanto, requisição ao Comando da Polícia Militar do Estado, para o imediato cumprimento da ordem da 6ª Vara Cível de São José dos Campos, repelindo-se qualquer óbice que venha a surgir no curso da execução, inclusive a oposição de corporação policial federal (...)”.

    Nas semanas anteriores, os moradores do Pinheirinho passaram por grande tensão. No dia 17, iria ocorrer a reintegração do terreno, por força de uma liminar da Justiça Estadual. Na madrugada daquele dia, os moradores conseguiram uma liminar da Justiça Federal, suspendendo a operação da PM. E na sexta-feira, dia 20, o desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região Antonio Cedenho havia suspendido a reintegração, remetendo o processo para a esfera Federal.

    Essa notícia contagiou os moradores do Pinheirinho com alegria. Tanto que houve uma festa no sábado, para celebração dos 15 dias de trégua acordado entre a Justiça Estadual, Justiça Federal, o Senador Eduardo Suplicy (PT-SP), o Deputado Federal Ivan Valente (Psol-SP), o deputado estadual Carlos Giannazi (Psol-SP), os moradores e os representantes da massa falida da Selecta S/A.

    “Depois de dias de muito terror, os moradores do Pinheirinho puderam dormir tranqüilos, mas acordaram com a Tropa de Choque na porta. A Justiça Estadual passou por cima de um acordo que eles mesmos patrocinaram”, criticou Fausta.

    Diante do notório descumprimento de uma decisão judicial, os advogados dos sem-teto pediram a prisão do comandante da operação e da Juíza Estadual Márcia Loureiro, mas não tiveram sucesso.

    Como foi a operação da PM

    De madrugada as ruas que davam acesso ao Pinheirinho estavam fechadas. “Nenhum carro entrava, nem saía. Não conseguimos chegar perto”, explica Valter José dos Santos, diretor do sindicato dos trabalhadores das indústrias de alimentação. Com o terreno sitiado, a Tropa de Choque pôde entrar.

    Os PMs invadiram casa por casa, obrigando as pessoas a abandonarem seus pertences. Entregavam um cartão com um número para a pessoa. Esta deveria fazer seu cadastro junto à Prefeitura, para depois ir buscar seus pertences. Segundo o assessor de comunicação da prefeitura, Felício Ramuth, a guarda dos pertences das famílias teria ficado sob a responsabilidade da massa falida da Selecta S/A, que teria contratado uma empresa privada para fazer esse trabalho.

    “Ela depois vai encaminhar (os objetos) para o destino que nós (prefeitura) ou que as pessoas desejarem em relação aos seus objetos pessoais”, explicou o assessor. Ele ainda informou que a Prefeitura tem três formas de “ajudar” as pessoas: fazendo a mudança das famílias para algum local na cidade, como a casa de algum parente; levando as pessoas para um abrigo e dando a elas uma passagem para outra cidade.

    Na segunda-feira, 23, na página de relacionamento Facebook, várias mensagens davam conta de que a própria Polícia Militar estaria saqueando as casas. No domingo, muitos moradores estavam preocupadíssimos com o destino dos seus objetos pessoais. “Acham que a gente é cachorro, tomara que não mexam nas minhas coisas”, disse um homem que não quis se identificar.

    Dado o tamanho da ocupação, cerca de 10 mil pessoas, a operação policial durou o dia inteiro. Volta e meia encontrávamos uma mulher, ou um homem, sempre acompanhados dos filhos, vindos da ocupação. Era uma cena de desolação.

    Prefeitura não garante assistência às famílias

    A ação ilegal da polícia e da Prefeitura continua e o suposto esquema montado para receber os moradores da ocupação é absolutamente precário.

    Na noite deste domingo, dia 22, cerca de 1 mil moradores do Pinheirinho se refugiaram na igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no bairro Colonial. As famílias saíram do Centro Poliesportivo, onde a Prefeitura iniciou a triagem, após serem atacadas com bombas pela PM. Porém, mesmo depois de chegarem ao pátio da igreja e sem haver mais qualquer conflito, a polícia atirou bombas de gás. O padre Ronildo Rosa abriu, então, as portas da igreja, onde as famílias passaram a noite, no chão e bancos da paróquia. Os moradores continuam no local nesta segunda-feira.

    Os demais centros para onde a Prefeitura enviou uma pequena parte de moradores também são precários e as pessoas seguem sem informação e orientação da Prefeitura.

    A situação dos pertences das famílias é outro alvo de descaso e irregularidades. Diante da violência da desocupação, a maioria das pessoas saíram com a roupa do corpo, deixando tudo para trás. Sem inventário como manda a lei, as famílias denunciam que a Prefeitura está retirando coisas das casas sem acompanhamento dos moradores, que ainda não foram liberados para buscar seus pertences. Há informação também que os bens serão enviados para galpões fora do município, dificultando ainda mais o acesso das pessoas despejadas do Pinheirinho.

    Solidariedade entre os trabalhadores

    Nesta segunda-feira, dia 23, por toda a região, os trabalhadores de diversas categorias fizeram assembleias e paralisações em defesa do Pinheirinho. Foram assembleias nas metalúrgicas General Mortos e Bundy, na química Johnson & Johnson e manifestações nas cervejarias AmBev e Heineken.

    Por Caê Batista com informações do Sindmetal SJC

    segunda-feira, dia 23 de janeiro de 2012

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